3 de out. de 2011

EDITORIAL: Por que Rafinha Bastos foi afastado do CQC?

Por Pilão de Moraes
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De forma discreta e indireta, no Pânico na TV de ontem (2/10), Emílio Surita se pronunciou sobre aquilo que se viria a se confirmar mais tarde: o afastamento de Rafinha Bastos do CQC. Não foi, contudo uma defesa propriamente dita. Surita limitou-se a criticar os críticos, ou seja, os jornalistas, dizendo algo como “se o nível do humor não esta bom, o dos jornalistas é pior”. Vale lembrar que esta não é a primeira vez que o apresentador se posiciona a favor de Rafinha. Além dele, Danilo Gentile (também de forma velada – via twitter) defendeu o humorista que vem sendo bombardeado de todos os lados nas últimas semanas, inclusive pelos seus próprios colegas de bancada Marco Luque e Marcelo Tas. Este texto (é bom avisar) não tem por objetivo analisar o mérito da questão, ou seja, se a piada foi ou não de mau gosto. Considero esta é uma questão improfícua e circular, já que a aprovação (ou não) da piada é algo relativo a quem ouve: para alguns “pegou mal”, para outros não; embora sem dúvidas os primeiros sejam a maioria. A verdadeira questão, ao meu ver, não está no conteúdo deste episódio isolado, mas sim no contexto mais amplo em que ele se insere. Um contexto de conflito aberto. Guerra.

Os primeiros movimentos deste conflito datam de maio deste ano, quando a polêmica gerada por um comentário de Danilo Gentile no twitter que relacionava os trilhos do metrô paulista aos vagões nazistas do Holocausto era a bola da vez (ainda que pouco tempo antes, em virtude da estréia de Legendários, tenha havido um breve prólogo deste conflito sob os termos de “Humor do Bem” x “Humor do Mal”).

Como de costume, muitas análises e comentários pipocaram pela mídia escrita, blogs e colunas. Mas entre todos, vale destacar “Politicamente fascista” (18/05 - MARCELO COELHO - FOLHA ILUSTRADA) e “A Moda do Reaça” (23/05 – MARCELO RUBENS PAIVA – BLOG'S ESTADAO). Em Rubens Paiva, a critica não se dirige direta e exclusivamente à humoristas e comediantes, mas sim à uma certa “DiogoMainardização da imprensa e da pequena burguesia brasileira (..)”, além da “recusa ao pensamento humanista que ressurgiu após a leva de ditaduras” que qualifica como “neofascismo”. É uma análise mais voltada para a sociedade e seus valores, algo que fica claro no emprego da expressão “moda”. Já em Coelho, fica evidente que o foco é o humor, especialmente aquilo que chamou de “politicamente incorreto”: “O problema é que "politicamente incorreto", na verdade, é um rótulo enganoso. Quem diz essas coisas não é, para falar com todas as letras, "politicamente incorreto". Quem diz essas coisas é politicamente fascista”. Salta aos olhos (pelo menos aos meus) o emprego, em ambos, da expressão fascista. Parafraseando Rubens Paiva: “Os ânimos estão acirrados”. Talvez ele não tivesse percebido: estava no meio de uma guerra.

Parece-me bastante claro que o que está em jogo aqui não é o conteúdo “impróprio” de uma piada isolada, tão pouco a opção por temáticas esta ou aquela temática em textos de humor. O que está em jogo aqui na verdade é: o que é engraçado? Mais que isso: o que pode ser considerado engraçado?

Lembra-me um pouco aquela situação que todo mundo já deve ter passado: quando alguém, mais velho, tropeça na rua e cai, você ri?

Esta é uma questão que diz muito sobre o que as pessoas consideram ou não engraçado. E na verdade, diz muito sobre os lados deste embate. De um lado os ditos “defensores da liberdade de expressão”, certos de que as coisas não devem ser levadas tão a sério, apóiam o riso. De outro lado, os “defensores da responsabilidade moral e social”, certos de que nem tudo deve ser objeto do riso ou do escárnio, pregam limites. É justamente assim que Tony Góes intitula seu artigo de hoje: “Tudo tem limite, até o Rafinha Bastos”. Nina Lemos em “Rafinha Bastos: o aluno arrogante que foi suspenso da escola” contribui para esta discussão com novos termos: o politicamente chato x politicamente fascista. Inegável mente, o tom que perpassa todo o seu texto é o de “bem feito”.

Há uma guerra em curso. Rafinha Bastos é apenas a primeira baixa oficial dela. No fim das contas, o que esta em jogo não é o tipo, qualidade ou teor do humor, mas sim o que nós entendemos (ou deveríamos entender) por engraçado. Essencialmente: qual papel cabe ao humor em nossa sociedade? Até onde ele pode ir? Talvez por isto a discussão de “limites para o humor” seja tão atual.

A cada piada “polêmica”, a cada fala que “pega mal”, volta à baila a discussão de limites para o humor. Jornalistas, intelectuais e sabichões de plantão tomam os sites, blogs e jornais com o intuito de julgar, separar o que pode ser considerado como “humor do bem” e “humor do mal”. Para além das (chatas) discussões de bem e mal ou de politicamente correto ou incorreto, é importante apontar algumas coisas.

Num Estado Democrático de Direitos, como o Brasil é (apesar dos pesares), para cada direito corresponde um dever. Ou seja, para o direito de liberdade de expressão e opinião, corresponde o direito de responder, inclusive perante a justiça, sobre suas declarações. Foi justamente o que aconteceu com Rafinha Bastos após ter feito piadas que supostamente incentivavam a prática do estupro. Pois bem. Se o humorista responde por suas declarações e se coloca a disposição para fazer qualquer esclarecimento a respeito de suas piadas, onde está a falta de ética ou a prática política incorreta?

O que talvez esteja por trás destas polêmicas é a relutância que o brasileiro tem de rir de temas “polêmicos” e principalmente, de encarar a comédia e o humor como formas de critica e reflexão social. Por mais doloroso que possa ser os norte-americanos, por exemplo, não se negam a abordar os acontecimentos de 11 de Setembro em suas sátiras e shows de comédia, justamente porque enxergam no humor ácido e politizado uma instância de crítica legitima a forma como o Governo e a própria sociedade respondeu ao ocorrido. Pode nos parecer mórbido, anti-ético, mas é real. Nada que uma visita ao youtube não confirme. Por que será então que para nós brasileiros hajam tantos temas tabus, “politicamente incorretos”, indevidos para textos de comédia?

Não sei. Talvez o longo período de censura e de ausência de imprensa livre tenha desacostumado a sociedade brasileira em geral à crítica. Paulo Francis, alguém considerado “polêmico”, costumava dizer que: “Dizem que ofendo as pessoas. É um erro. Trato as pessoas como adultas. Critico-as. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica”. Logo, talvez nossa idéia de politicamente correto seja perigosamente um sinônimo de politicamente aceito, ou seja, aquilo que não contrapõe, questiona ou critica. Eis ai uma grande questão: o que será mais perigoso para a sociedade, um humor que questiona, crítica e incomoda ou outro que apenas aceita, reproduz e aliena?

Por outro lado, Rafinha Bastos não foi punido em virtude de uma crítica, mas sim por uma piada (supostamente) de mau gosto, o que afasta, pelo menos a principio, a hipótese de censura. Certo?

Isso depende do que você considera como censura.

É curioso, curiosíssimo que, diante de tantas piadas iguais ou piores, apenas aquelas que "mexem" com a família de "gente importante" é que causam este rebuliço. Mais. Quando o alvo da gozação (que beirava o bullying) era a cantora Preta Gil, alguém por acaso viu Gilberto Gil entrando em contato com a direção da Band? Pois é. E será que Gil não é “importante”?

Sinceramente não sei se foi uma piada boa ou ruim, se estava no roteiro ou se foi caco, se é politicamente correta ou incorreta. Pra mim, o diabo é que mais uma vez neste país empurramos à resolução das questões para os bastidores. Pior. Submetemos-nos ao crivo, à influência dos ditos “importantes”. Se a piada foi assim tão desprezível, Rafinha deveria ser acionado judicialmente e demitido por justa causa. Ponto. Mas ao aceitar que pressões externas, mais precisamente do mercado publicitário ($$), determinem o que pode e o que não pode ser objeto de riso, a Band presta um desserviço à democracia. Por quê? Simples. Cabe aos telespectadores dizer sobre o que querem ou não rir. A melhor arma, e a que de fato faz diferença neste caso, não são as colunas de jornal, os blogs ou redes sociais, mas sim o controle remoto.

E quanto aos humoristas e comediantes talvez esteja na hora de acordar para o fato de que tomar os espaços na mídia escrita, falada e televisiva pode não ser tão fácil como parecia. Televisão não é vídeo blog. Ou se aprende à lutar o bom combate, ou outras baixas virão.
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