20 de out. de 2011

ESPECIAL: 5 VISÕES DO HUMOR - "DESCOMEDIDO"

por Raffaella Giannini


Dura um mês a polêmica sobre o episódio em que Rafinha Bastos disse, ao vivo, que comeria Wanessa Camargo e o filho que ela espera. Dando continuidade ao especial "5 Visões do Humor", teço aqui os fios emaranhados de uma opinião particular.

Descarto qualquer defesa do politicamente correto ou socialmente aceito. Isso não cabe no humor. Qualquer piada é... feita de estereótipos: a loira, o negão, o gay, o português, a mulher, o pobre, o judeu, a gorda. Ah, tem os que aparentemente não se encaixam nesta teoria: falar sobre sexo, falar sobre drogas, falar sobre a última guerra,... E o que são estes temas senão a idéia que fazemos sobre eles? É sobre nós que fazemos a piada.

A quebra do tabu, a quebra do moralmente aceito e esperado pelo que ouvimos todos os dias, pelo que temos inconscientemente estruturado em nós, faz a piada. A capacidade de balancear dois lados - do que é e/ou foi e do que esperamos como conclusão de uma história - com a quebra extremista de nossa expectativa é o que nos faz rir.

Por isso há até piadas sobre o elefante, o pintinho, o tomate atravessando a rua. O que discorre nelas não é nossa visão familiar sobre estes alvos. É o tornar-se familiar que faz a piada não ter a mesma graça (ou simplesmente não a tem) quando ouvida pela segunda vez: já criamos o padrão, já estabelecemos esta possibilidade como final de uma história, não há a surpresa, não há o choque. Consequentemente, não há graça.

Tendo em vista esta base como alicerce do que é engraçado, pode haver quem tente condenar a piada de Danilo Gentili relacionando o metrô de Higienópolis a Auschwitz, mas não se pode condená-la no grau exato do que é motivo de riso e mecanismo de elo entre expectativa e surpresa. Aquilo foi uma piada.

Mas "Eu comeria ela/ e o filho dela/ não tô nem aí." remete-me à imagem de um bêbado em uma confusão no bar, um bando de torcida organizada xingando a mãe do juiz, uma briga de gangues. Isto não surpreende, isto não quebra, isto não critica nem nos faz rir. Ora, que fizesse alguma piada sobre sua qualidade profissional, sua aparência, sua descendência e não teríamos que estar discutindo isto agora. Foi uma agressão gratuita e desmedida.

Os humoristas se apóiam na idéia de que podem fazer piada sobre qualquer pessoa, já que antes de tudo riram deles mesmos. Mas CQC não é show de stand up, você não pagou o ingresso e entregou sua noite ao comediante. Não, talvez deva existir um parâmetro subjetivo – o chamado bom senso – partindo do próprio humorista do que cabe de humor negro na televisão. Afinal, ele está fazendo a piada para o público, não para alimentar sua vaidade de "posso tudo em nome do humor".

Para você que estava assistindo ao vivo o programa e deu risada: hoje, ou está mantendo teimosamente sua opinião de que tem graça, ou pensou melhor e viu que não tinha nada a ver. Não se sinta culpado por ter rido. Já na década de 1950 um interessante experimento feito em teatro pelo comediante Milton Berle constatou que se durante uma série de piadas você inserir frases que não têm graça, as pessoas rirão do mesmo jeito por serem acompanhadas do mesmo ritmo anterior. Agora ouça apenas a frase da polêmica declaração de Rafinha. Tem graça?

Repudio sua atitude, mas perdôo. Nem tudo é preto no branco, amigos. Foi um comediante com uma infeliz frase improvisada. Pecou, sobretudo, ao não baixar a guarda e não se retratar sobre o ocorrido. Ao contrário, seguiu ironizando o episódio e mandando àquele lugar qualquer um que tentasse se aproximar. Da mesma forma, errou a Bandeirantes. Se é por sua empresa que algum funcionário comete alguma falha, ou você abraça a causa ou se livra do problema. Vai deixar um cliente acabar com ele? Sim, porque patrocinador é cliente. Vale mais pra marca anunciar do que pro programa tê-lo como anunciante, afinal o que não falta é empresa querendo bancar o CQC. Se assim não fosse, não teria tanto merchandising lá.

Aos que fervorosamente levantam a bandeira da liberdade de expressão para este caso, usar Rafinha Bastos como modelo é regredir. Concordava com seu afastamento por defender a verdadeira liberdade de expressão da crítica humorística de Marcelo Tas, Danilo Gentili, outros integrantes do programa e outros comediantes do stand up, vendo que esta é uma forma de proteger o resto do grupo das declarações infelizes de um só membro.

Mas daí a suspendê-lo sem previsão de retorno, ouvir falar em pedofilia, ter o Ministério Público no seu pé, o casal Marcus Buaiz e Wanessa Camargo entrando com ação cível por danos morais pedindo R$100mil de indenização e o feto – sim, o feto! – como autor de um processo criminal por injúria que pode levar o humorista a três anos de prisão é desespero.

Aí já é querer ganhar de lavada em cima de um escorregão.
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