Por Pilão de Moraes
Desde a última nota que versava sobre o assunto (“Por que Rafinha Bastos foi afastado do CQC”, disponível aqui), tenho sido chamado a fazer justamente aquilo que pretendia evitar: analisar o mérito da questão. Pois bem. Antes de atacar o hardcore, talvez seja oportuno limpar o terreno e estabelecer certos parâmetros.
Pra começo de conversa: nesta discussão geopolítica sobre os “limites do humor” onde, como numa guerra, cada lado tenta avançar sobre o território inimigo, interessa-me muito menos a área em litígio a ser demarcada e muito mais quem se encontra com o giz à mão. Explico.
Parece-me ponto pacifico que todo direito, toda “liberdade”, tem limites em um Estado Democrático de Direito. Logo, não existe liberdade de expressão irrestrita, da mesma forma que, por exemplo, não existe direito de propriedade ou de sigilo irrestritos. Cai por terra então um dos argumentos mais utilizados: “o humorista deve ter liberdade total para falar sobre o que quiser”. Certamente não tem, assim como qualquer pessoa.
Ademais, tomar Rafinha Bastos como símbolo da luta por “Liberdade de Expressão” faz tanto sentido quanto eleger a Mulher Melancia como mártir do movimento feminista na luta por isonomia e igualdade de gênero. Presumo que da mesma forma que as mulheres não queimaram sutiãs para ter o “direito” de dançar o creu e participar de “A Fazenda”, os pensadores e ideólogos liberais não escreveram extensas obras, séculos a fio, para que se pudesse ter o “direito” de dizer aos quatros ventos que mulheres feias deveriam agradecer se fossem estupradas.
Há às vezes uma certa confusão entre direito e liberdade, da mesma forma que se confunde ironia e grosseria.
Bem, se não há liberdade total então, eis a censura! Esta é a seqüência lógica da argumentação. Voltemos, pois ao giz.
Quando alguém é silenciado, cerceado sumariamente, sem direito de defesa e investigação, ou ainda, por toda sorte de meios extra, infra, para ou ilegais, configura-se prática de censura (aliás é bom lembrar que existem vários tipos de censura que não apenas a oficial). Foi o que de fato tomou corpo a partir do momento que a Band aceitou que a pressão do mercado publicitário (Marcos Buaz, marido de Vanessa) influísse no conteúdo de seus programas e em seu elenco. Como já disse anteriormente, o correto seria demitir Rafinha Bastos imediatamente, se a piada fosse considerada inadequada, ou então, assumir a responsabilidade e blindar o comediante (opção feita, por exemplo, no gravíssimo “Caso dos Garis” envolvendo Boris Casoy). A Band acabou optando por não fazer nenhuma coisa, nem outra. Ficou com o pepino na mão e a imagem arranhada.
Por outro lado, quando a sociedade se manifesta através dos vários canais de opinião pública, posicionando-se, questionando a validade, moralidade ou qualidade de qualquer coisa, não estamos falando de censura, mas de limites. Esta premissa também é válida para o “Caso Rafinha”. Independente da forma inadequada com que a Band tratou o assunto, não é possível fechar os olhos para um ponto fundamental: a sociedade rejeitou, em peso, o comentário e a atitude de Rafinha. E não está fazendo nada além do que exercer seu direito. Está com o giz à mão.
É o público que deve dizer até onde as piadas devem ir. Se o público brasileiro reprova a idéia de falar sobre estupro e amamentação no humor, cabe ao humorista compreender isto. Nadar contra a maré e fazer o estilo “marginal” pode ser uma opção. Assume, por tanto, o risco. Se bem que, talvez, a televisão não seja por excelência o melhor lugar para a transgressão e experimentação. É bom lembrar que este estilo de humor mais “ácido” surgiu nos EUA em pequenos clubes e casas, ou seja, para um público bem restrito. Repetir este estilo num meio de comunicação de massas, com bilhões de reais em jogo e em horário nobre, definitivamente não é a mesma coisa. Como já disse anteriormente, televisão não é youtube.
O que devemos reiterar à exaustão nesta discussão de “limites para o humor” é que não aceitamos qualquer tipo de censura, influência, carteirada ou “jeitinho” de quem quer que seja. Não importa o quão rico ou poderoso seja: não aceitamos ceder o giz. Cabe a qualquer cidadão recorrer e manifestar-se pelas mesmas vias: escrevendo uma carta aos jornais, postando um texto ou vídeo na internet, criando uma campanha de boicote, denunciando ao Ministério Público, ajuizando ação na justiça. Em outras palavras: cabe a nós, sociedade civil, manifestada através dos mais variados canais que compõe a opinião pública, fazer esta discussão e impor estes limites. E foi exatamente esta discussão ampla que condenou Rafinha, acima de tudo.
Isto não quer dizer que o gosto do público seja imutável ou que as pessoa sejam avessas à novidades. Ao contrário, o próprio sucesso desta nova geração de comediantes vindos do stand-up atesta o gosto do público por novas atrações e novos formatos. Talvez seja necessário ir um pouco mais devagar e, principalmente, com mais bom senso. Temos por tradição muito mais um humor que cutuca, do que aquele que contunde .. e isso não se altera da noite por dia. Talvez, como já disse, ainda confundamos "politicamente correto" com "politicamente aceito", o que é sintomático e diz muito sobre a sociedade brasileira.
Contudo, apesar dos pesares, a opinião pública brasileira deixou o seu recado. Resta-nos esperar que todas as partes envolvidas (Band, Rafinha, Cuatro Cabezas, Vanessa e Marcos Buaz) ouçam: "Estamos com giz à mão".
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