24 de out. de 2011

ESPECIAL 5 VISÕES DO HUMOR: "O Absolutismo do ''Eu'' no Humor Midiático"

por Victor Seiji Endo


Nos dias atuais, ou como alguns costumam chamar, de ''pós-modernidade'', vivemos um constante processo de liquidificação e fragmentação dos valores concretos que permeiam ( ou permeavam ) a existência de qualquer sociedade ou da própria convivência social, como já dizia o sociólogo polonês Zygmunt Bauman em seus diversos livros escritos, como ''Amor Liquido'' e ''A Sociedade Individualizada''. Em uma das áreas onde esse processo se verifica seria nos meios de comunicação televisivos por exemplo, e principalmente no âmbito humorístico. Farei aqui uma descrição OPINATIVA ( sem querer entrar em uma análise de fato ) mais generalista e não particularista, pois acredito que a atitude de um ou outro comediante não é o suficiente para diagnosticar o fenômeno ou fato geral.

Tem-se legitimado ou aceitado como ''liberdade de expressão'' o ''humor'' e ´piada'' sobre tudo e todos, esquecendo-se que há claramente um distanciamento monumental entre os conceitos de sarcasmo, ironia, comédia e bom senso. Isso feito em prol dos discursos da Legalidade constitucional, da plena liberdade individual e até mesmo, por incrivel que pareça, dos direitos humanos.

Ora, se formos limitar essa questão somente para estes pontos ou estaremos sendo totalmente egoistas ou positivistas demais, jogando a discussão para uma dimensão onde ela estaria encerrada e qualquer tentativa de por em cheque esta interpretação seria vista como ''autoritarismo'' ou ''fascismo''. Nisto eu faço uma provocação, quem é o autoritário ou fascista da história??

A partir do momento que aceitamos a total liberdade de um individuo de fazer piada de tudo o que bem entender negamos, em primeiro lugar, o fato de que o discurso de um individuo pode se tornar um instrumento de PODER e MANIPULAÇÃO e incitar outros corpos a exercitarem nas práticas cotidianas aquilo que foi dito, como Michel Foucault já dizia em seu livro ''Microfisica do Poder''. Em segundo lugar, nós estariamos apoiando a idéia de que cada um é ''absoluto de si mesmo'', ou seja, ''faço e falo o que bem entender e as normas sociais ( que é diferente de lei escrita veja bem ) que se danem''. O que é gerado com tudo isso seria um multi ou pluri-autoritarismo onde a cada um seria dado a liberdade para fazer o que bem entender, sem nenhuma regulamentação, lembrando claramente um ''estado de natureza hobbesiano'' de ''guerra de todos contra todos''. No caso nem posso imaginar o Poder estatal de fato dado a pessoas deste tipo, e o que os mesmos fariam com ele. O sujeito é um ser social, ele não está apartado de uma coletividade por mais que queira. Em terceiro lugar, o apoio à idéia de liberdade total do humor é acompanhada de um profundo desconhecimento na minha concepção da diferenciação básica existente em qualquer sociedade de um espaço público e espaço privado. Todo tipo de piada seria permitida até o momento em que ela não afeta a vida pessoal de cada um e fique no ambito público-societal, o que gera muitas distorções e contradições no discurso da defesa destas práticas de ''humor''. É muito fácil apoiar piadas como ''mulheres feias deviam agradecer pelo estupro'' ou ''Fulana de tal é tão gostosa que eu comeria até seu bebe'' quando a pessoa mencionada não é você própria. Se for assim, posso muito bem falar para um desconhecido ou um amigo próximo que ''seu filho de 1 ano é tão gostosinho que eu fuderia ele até à medula'' ou ''sua avó é tão velha que já era para ela estar morta e sendo comida por vermes''. Novamente penso em práticas como essa se tornando um Imperativo categórico Kantiano.

Por último, e em quarto lugar, estariamos, com a prática do ''absolutismo de si mesmo'' como havia dito antes, reiterando a visão do ''relativismo axiológico'' e até mesmo ''cultural''. A cada um seria dado a liberdade de fazer tudo o que bem entender porque o comportamento está de acordo com sua cultura ou lógica de vida. Ora, veja bem,pra que criticarmos no fim das contas o Nazismo ou o Imperialismo norte-americano então?? Pra que ficarmos indignados quando o Sr. Boris Casoy chama de ''seres humanos baixos'' um grupo de garis sendo que ele falou isso pensando que estava em OFF?? Cada um é livre para fazer o que bem entender não é mesmo?? Boris Casoy não pode falar mal de garis porquee ele é ''de direita'' e Rafinha Bastos poderia porque ele é ''engraçado''?? NÃO FAZ SENTIDO.

Lembrando que escrevo este texto para abrir a discussão, e não fecha-la. Para mim ela é muito complexa e não daria para sintetiza-la em uma única escrita, sendo muito mais conveniente que a discussão seja desenvolvida em tempo real entre as pessoas com opiniões bastante distintas. Isso sim é que seria para mim um principio de LIBERDADE.
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Um comentário:

  1. Victor, concordo com você em muitos aspectos. Primeiro, de que hoje o humor é refém dessa situação de que toda a sociedade é refém infelizmente: um individualismo exacerbado que gera essa supervalorização da liberdade de expressão. Se valendo de Bauman, parece que que há uma regra líquida: mexer com os outros é permitido, mas comigo não. Uma regra líquida que justifica, entre outras coisas, o buylling.
    Mesmo sabendo do que se trata (ou supondo saber), não sabemos como superá-lo, e isso é o que mais me assusta. Claro que a discussão é um passo essencial, mas e depois? Levemos essa discussão para pessoas que são a favor ou contra o "politicamente correto". Muitas estão tão enraizadas por seus ideais (ou o que pensam serem ideais) que poderão te dizer "isso não é humor, é crime, é preconceito!" ou "Se liga, você tá levando o humor a sério demais!" Eu vejo que cada vez mais caminhamos para o radicalismo, de ambos os lados. Quer dizer, podemos discutir isso aqui, nesse espaço que se propõe justamente á isso, mas em outros locais (trabalho, boteco, família, etc)a discussão muitas vezes é renegada para o campo das coisas indiscutíveis (geralmente sabemos quando entramos nele quando ouvimos o fatal "gosto não se discute"). Esse é, ao meu ver, o maior problema de se discutir humor. Veja bem, não estou dizendo que a discussão fora daqui é impossível, só que ela é muito, mas muito difícil de ser levada adiante. Pelo menos foi o que aconteceu comigo em todas as vezes que tentei...
    Á todos parabéns pelo blog e pela série de posts "5 visões do Humor".
    Abços

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